terça-feira, 8 de dezembro de 2009

simone d bom voar


Melhor seria se melhor fosse... Mas como melhor não é, melhor é ser o que se é. Mulher e maravilha!
Emoção ampla com coisa de mulher... Sangue menstrual, mama, leite, ovo... Outras coisas aprendi de o que é ser mulher, (coisas dessas que me instigam o medo e a raiva), vem choro amplo e culpa social do mundo... margaridas elásticas e violetas profundas. Choro o chôro das Marias – é a dimensão da poesia que acontece. E me sinto renovando os tecidos quando lavo os meus panos de sangue.
Não quero olhar o rosto dos meninos e ver o barba azul, (apesar do referencial primeiro ser um papai berbere, que brigava segurando bravo os dois ante bracinhos finos, com olhos de patrão e me sacudindo no ar), quero enxergá-los gente, não capitão, patrão, bom-bom, balão, São João, Frei Damião... – é muito! Tou aprendendo ainda a lidar com o feio e com o belo. Tenho muito medo de ouro que ludibria, de prata Luzia... Meus tios vivem ameaçando de morte as mulheres da família... Mamãe aprendeu cedo a atirar. Pai dela com tanto filho, ela queria o amor. Ela montava cavalo feito índio Norte Americano de filme de faroeste. Cavalo em pêlo – girava pro lado, sumindo dos tiros. Eu, coitadinha, aprendi em casa, tempo de TV, uma sertaneja urbana. Nunca montei cavalo, cedo amei Spike Lee, conflito de cor e dor dentro. Em recife, um tempo desses, dei de ter medo de homem, de carro que passa parando perto, de gente de bicicleta. É muita nóia legítima. Tanta mulher estuprada e morta. Ter medo de gente é muito triste, horrivelmente doloroso, dor e raiva junto... Engasga na goela. Um abismo com o mundo.

Às vezes, numa lindeza, a gente fica seguro feito ar, feito bambuzal, é quando a gente consegue amar o narciso do lago, sendo a gente própria. Quando a gente consegue amar o jacaré de papo e sorriso amarelo.

Um contexto amplo construiu outros sentires sociais em mim, e sendo mulher, sou um pouco essa contradição do que passa a ser subsolo, sinto totalmente essa Proserpina perto.

Sendo mulher/sociedade, o fato é que inda me oprimo muito, sem-querer-querendo, mas tento compreender brincante as condições e os limites existentes assim. E pergunto: Com tantos eus no coração, o que me faz mais forte? So(u)Frida. Compreendo que sofrer pode ser importante, pois pareço crescente sempre mais forte. ,Alimento sentimento tão nuvem, porque só assim se chove, e chover é bom. E, no sol, inda tem arco-íris. É a lida, há de se conhecer o que os contextos causam, para que se possa parábolar com propriedade quando se brinca o tarô com alguém que pede, são os compromissos sociais que a gente vai travando na vida.

Sem perceber essa mulher não ia poder consolá-la, amá-la, tê-la... – raiz, alimento santo, cristal quartzo, cria... – Sábia sabiá.
Se não sofresse mulher, não choraria de graça, ouvindo canções de irmãs...

Dizem que é coisa de geração, que somos na geração, crianças além, criança índigo, tendo o sentimento do mundo, querendo morrer e lunado a morte com amor. Aprendizado lindo. E além, o cinema continua me ensinando. Aprendo a olhar a rua, os olhos e os dedos. Dizem muitas coisas, os dedos dos pés, as orelhas, as olheiras, os enfeites das gentes, amuletos e plásticos, as lidas todas. Tento ouvir... e são tantos os presságios, sempre bom quando abrimos as janelas.

Pois é, não quero nem preciso mais ficar chantageando papai e mamãe, tantos limite já têm – os perdôo e pronto! Posso a psicanálise mais certa, compreensiva ampla. liberdade, bicho! Bicho gente é doideira mesmo. E a palavra pode ser um remédio bonito, canto soante, colo mole... e trazer choro. Aí passo: sou filha minha pequena, me olhando dentro, com a cabra, com a cadela... – São: os bichos em casa, e os alunos de minha mãe – me trouxeram uma generosidade qualquer, que fui reaprendendo com o tempo... Numa usina velha, num passado perto, lembro da menina, e os olhos são os mesmos, cheios de medo, e tão lindos espelhos e amplos. São olhos das palestinazinhas, mesmos, e encontro em tantos, e é o encontro quase sempre uma temperança alando. Não é difícil lembrar que a menina está perto, – apesar dos seios e do bucho, dos pelos e do sexo reentendido, dos longos cabelos – a menina está. Sábia e zéfira. Fica me azucrinando o juízo pra que eu a veja, compre, cuide, acarinhe. – Ai que chantagista de merda acabo sendo às vezes! Quero amor pra menina e esqueço-me de dar. Fico doendo querendo o cuidado dela... E ela é menina, só brinca, não sente dor assim como eu, se sente, sabe chorar, chora e pronto. É fácil, sente dor quando vem – a dor passa – ela briga e esperneia e põe pra fora. Aprendeu com o pai a controlar a cócega logo cedo, respirando fundo e pensando num cavalo correndo de crina no vento. A menina ficou estranha, sem sentir cócegas, era uma criança tranqüila, boa, até a separação dos pais... – danem-se, quero continuar abrindo escalas e pulando elásticos! Livre livre livre! Foi bom morar com a mãe no sertão, ficou criança de rua, a casa era da mãe Joana, sendo proibido proibir. Mais cinema tem nisso. Sem pai patrão.

Ficou guardando um pai de lembrança, que lá longe guardou também. As linhas são meio tortas, mas a escrita é certa, tem sentido, tudo – tem dito a física moderna.

Tá hoje a menina querendo toque, atenção, brincar na rua, gritar com trovão de chuva e andar de cavalo. E eu sempre morgando ela. Chatinha e chatíssima.

Mas é o tempo, e acordam nela, mesmo na apatia, outros lados. E entende: sendo mulher é índia, é preta e planta, proletária, diabo, cobra, criança, escravo, e outro(s). Tudo que essa doidicinha social foi de medo trancando na caixa de Pandora.



A. Galvão.
Pela madrugada de 8 de dezembro de 2009. Várzea.