terça-feira, 10 de agosto de 2010

saponinas

Esta será a minha primeira publicação na Revista Lunduz. E é com muito prazer que ela seja uma construção coletiva, uma conversa emocionante, terapêutica e poética, cheia de declarações de toda natureza através de trocas de e-mails entre pessoas queridas. Nem todas as coincidências que aconteceram estão contidas nos textos, mas eles falam de conexões entre as experiências dessa constelação que juntos formamos.

Camila

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Minha gente, ontem eu fui na apresentação de Aninha, Carla e Mayra na Livraria Cultura. Elas cantaram Noel Rosa. Depois a gente foi para o novo pina e eu disse a Carla que a música que ela e Aninha cantaram era linda e tinha tudo a ver com elas (a música era "Seja breve"). Ela disse que o Grupo Rumo tinha gravado essa música e eu fiquei dizendo que há muito tempo queria conhecer o Rumo.

Fui procurar hoje na rádio uol e encontrei o cd "Quero passear", que tem tudo a ver com o que eu quero. Botei pra tocar e fui fazer cuscuz. Quando voltei pra o computador estava tocando a música "A incrível história do Dr. Augusto Ruschi, o naturalista e os sapos venenosos". Fiquei hipnotizada e chamei mainha pra escutar, pois ela é ambientalista. Ela gostou mas tinha que fazer o café de manhã e saiu. 

Eu continuei no computador escutando. Dr. Augusto Ruschi amava a natureza e amava beija-flor, mas um dia ele estava na floresta e viu uns sapos. Ele foi estudar esse sapos e os sapos estavam nervosos e envenenaram o doutor Ruschi. Ele tentou de tudo e não conseguiu se desenvenenar.

Nessa parte a letra diz: 



"Nesses casos assim tão graves, só se alguém tiver uma grande 
idéia e pensar uma coisa diferente, e pensar o que pouca gente 
pensa..."



A música vai se tornando mais forte numa pegada de toré e Raquel diz: "que música linda, eu quero passar essa música na mostra de vídeo indígena de Camaragibe". E mainha disse que ia colocar num cd ecológico que ela quer fazer.

A gente já fez um cd ecológico outra vez. Lembro que tinha "Cio da terra" de Milton, "Do vento" e "Debaixo d´água" de Arnaldo, "Sentado na beira do rio" de Erastro e Eddie, “Terra” de Caetano e outras… Esse cd tocou na inauguração da Associação dos Protetores do Meio Ambiente (ASPROMA) do Salgado, bairro bem pobre de Caruaru, há muito tempo. Mainha trabalha na Asproma. Ela me disse que ela já tinha ouvido falar na história de Agusto Ruschi, que aconteceu mesmo.

http://www.radio.uol.com.br/musica/rumo/a-incrivel-historia-do-dr.-augusto-ruschi%2C-o-naturalista-e-os-sapos-venesosos/54150

http://www.mpbnet.com.br/canto.brasileiro/rumo/quero.passear/augusto_raschi.htm

cami

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cami!

Conexões, conexões. A maioria das pessoas que me conhecem sabem que eu tenho um grande problema com os anfíbios. Pavor. Eu atribuo isso a algumas experiências provenientes do meu habitat familiar (psicanálise!!!) - todos os meus familiares, pai e mae, tios e tias por parte de pai têm medo deles, mais especificamente de rãs que sao umas danadas. Na minha casa sempre houve um auê danado na presença desses bichinhos que, sendo do meio urbano, não representam nenhuma ameaça a ninguém. Pois bem, a última experiência que tive com ela foi quando fui à Bonito-PE e fiquei em uma pousada que apareceram duas rãs e um sapo no quarto. Passei a noite em claro, eu e meu semi-quase-atual-ex namorado Ele tentando me acalmar e eu coberta dos pés a cabeça achando, neuroticamente, que o quarto iria a qualquer momento infestar-se de rãs, sapos e afins. Desde aí percebi que eu tinha que tomar alguma atitude enérgica acerca desse fato que amedronta minha vida em certos momentos e que passa a amedrontar a vida dos meus companheiros quando em minha companhia uma rã ou sapo se faz presente.

Comecei a pesquisar sobre os anfíbios como medida terapêutica e de me fazer entendida daquele velha jargão "tu pensas que tens medo dela, mas ela é que tem medo de ti". Ainda não consigo segurar minha histeria diante deles, mas estou melhorando gradualmente. a minha terapia consistia em: diariamente, antes de sair do computador ficar olhando foto de algumas ranzinhas no google imagens. Encontrei cada uma mais linda que a outra, e fui me enamorando delas por elas possuírem um alto nível de diversidade em suas cores e designers bastante arrojados.

Em meio a minha terapia virtualmente-caseira descobri que existe uma linhagem na familia dos anfíbios que é denominada como "cecilideos". O ente mais conhecido deles são as famosas cobras sem cabeças, também conhecidas como "cecílias"; algumas rãs, dependendo de sua anatomia também recebem essa denominação. Esse foi meu mais alto grau de profundidade atingido terapeuticamente.

Eu sou cecília, assim como um dos meus maiores medos. Isso me fez perceber como os nossos medos são partes vicerais do nosso proprio ser, e que é necessario que olhemos para eles como se estivessemos olhando o nosso proprio reflexo. Aprendendo a lidar com nós mesmos é que criamos nossas proteçoes e nos tornamos fortes para enfrentar toda e qualquer ameaça desse mundo que a gente teima em se diferenciar - toda aquela discussao sobre criador e criatura, sujeito e objeto e blablabla.

Para além dessa questão existencial, pude me tornar, infimamente, mais "politicamente correta". Na casa de veraneio da minha família em Itamaracá não deixo que meu pai esquente água para jogar nas rãs que aparecem e em nenhum outro lugar que eu esteja presente elas são mortas, pelo menos não antes que haja um questionamento acerca disso. Meu sentimento em relação ao meu suposto predador não é o desejo de sua morte, mas que convivamos em harmonia.

que adoremos as jias, e as coisas que não são jias, afinal, tudo é sagrado.

acho que essa musica deveria entrar no cd: http://palavraspreguicosas.blogspot.com/2009/01/gnesis.html

beijos,

Cecilia Cecilidea

Camilinha,

A música é realmente linda e o autor foi muito feliz. Feliz também sou eu porque és sensível com as coisas da naturaleza e te emocionas com sinceridade.

Beijos

Mamá

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Cecilídia, vamos expor nossos medos e fazer uma grande imensa terapia de grupo. Nesse momento eu não consigo ver o cursor na tela do computador, de modo que as palavras surgem como em uma mágica. Tenho pensado em como as máquinas têm alma e também são sagradas. Pensei nisso quando fui consertar minha radiola na Rua da Concórdia. Me senti realizando uma missão difícil e que eu mesma tinha que descobrir como se fazia. Hoje em dia não se vende mais radiolas e as peças são difíceis de encontrar. Eu tinha que encontrar uma determinada agulha que não havia em nenhuma daquelas lojas maravilhosas, com aquelas pessoas inteligentíssimas, artesãs, zens budistas. Não havia a tal agulha em canto nenhum. Perguntei quando ela ia chegar e o moço disse que lá pro dia 15 de agosto. Vou esperar. Tenho que ligar para o moço que está com a minha radiola falando nisso. Ele também é muito inteligente. Ele sabe se uma agulha está boa ou não arranhando-a nas costas da mão. Eu lhe perguntei como ele sabia e ele disse "eu conheço". Fiquei pensando em Cida Nogueira, que foi uma das pessoas que mais me ensinou sobre os saberes misteriosos da vida. Hoje eu estava escutando música no sonzinho daqui de casa e queria mudar de cd. Apertei no botão e o cd não saía. Tive que fazer um malabarismo danado de coisa pra o som entender o que eu estava querendo e escrevi isso:

As máquinas também ficam gagás

e como em nossa sociedade a velhice é descartada

nós descartamos as máquinas velhas

mas o que a gente não sabe

é que a gente cria sentimento

por tudo

as máquinas novas no começo

a gente estranha

mas depois a gente

vai criando afeição

mesmo sem saber

cami

Cecilídea, esqueci de dizer que a psicanálise assim como a pajelança é cura, já dizia Lévi-Strauss no seu texto "A eficácia simbólica". Ele fala de como a cura se dá através dos símbolos e que pajelança e psicanálise operam simbolicamente. A arte também. Quando (re)descobrimos os símbolos, o que tenho pensado ser uma religação com a imaginação da criança, tudo se reencanta.

Cami

Ai, Cami e Cecilia!!!

Estou em um momento simples, numa busca intensa e delicada da simplicidade enquanto cura mesmo. Neste movimento vou aprendendo a olhar pra o mundo com calma, tratando com carinho o que me chega. Vou aprendendo a integralidade das coisas, e compreendendo sem que seja preciso desvendar. Buscando a simplicidade aprendo a me aceitar, a não ter vergonha das minhas dúvidas, das minhas maldades, dos meus medos, vou perdendo o medo da imperfeição... É verdade, Cecília, só no reconhecimento, na autoaceitação, é que a gente transcende, é que a gente ganha outra força e constrói um olhar novo sobre tudo, pra seguir aprendendo a ser mais feliz. Amo muito vocês.

Indira

Ai gente, quanta coisa linda que foi escrita por aqui.

É tão bom estar por perto de gente assim, que é levada pelo coração.

Que transforma o medo num conto engraçado, e a máquina velha num ente querido.

Isso é leveza. E é amor.

Sinto que somos os bichinhos e também o próprio Doutor.

Beijos e cheiros

Maira