sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Saudade triste

“É triste sentir saudade
Sem poder dizer de quem”
           (Mote de Dedé Monteiro)
 
 
Triste demais a saudade
Quando não tem cabimento
Cai logo no fingimento
Pra não cair no alarde
Mas o fogo aquece e arde
E é relativo a alguém...
Vira um mal o querer bem
E a gente se descaminha
Saudade fica sozinha
Sem poder dizer de quem.
 
Tem muita gente que sabe
Por me ver assim chorando
Que em meu peito demorando
O amor dele inda cabe
E mesmo que se acabe
Num é da conta de ninguém
Essa saudade de alguém
Jamais direi que definha
Porque a saudade é minha
E eu não vou dizer de quem.
 
Hoje estou silenciosa
Querendo respirar mais
Mas um suspiro se faz
E teu nome vem na glosa
Poesia amistosa
Soletrada no desdém
De cada gesto, refém
Mistério essa amizade
É triste sentir saudade
Sem poder dizer de quem.
 
O que não deixa dizer
É o orgulho que mata
Contrário do que retrata
Dizer é orgulho ter
Se não há o que fazer
Se um remédio não tem
O jeito que fique sem
Na voz da precariedade
Embebida de saudade
Sem poder dizer de quem.
 
Queria telefonar
Dizer o que estou sentindo
Mas sempre acabo mentindo
Quando invento de falar
Melhor é mesmo calar
Decretar certa mudez
Afirmação ou talvez
Já não tenho mais idade
É triste sentir saudade
Sem poder dizer de quem.

Saudade dor que demora
Distância que nos imprime
Faz parecer que é crime
Querer-se uma melhora
Mas quando a face não chora
Sem amar ou querer bem
Indiferente e aquém
Rogamos por piedade
Saudosos de ter saudade
Sentir e saber de quem

sábado, 8 de agosto de 2020

o sonho de uma poeta no mundo pós pandemia


O sonho da poeta
no mundo pós-pandemia

Na navegância do lar
enlevo meu pensamento
ultrapassando o cimento
substancio o cantar
E o futuro, qual será
é a questão do presente
quê plantio é consciente
quê semente vai vingar

Busco conselho lunar
tento no caos esse alento
tudo passa feito vento
isso também passará
É mister profetizar
esse porvir que impera
ouvindo a voz do que era
partindo à um não-lugar

Os olhos soltos tilintam
achando esse imaginar
ato de ver e criar
antever quadros que pintam
e espelhos que reflitam
moroso pestanejar
memórias à velejar
esse aqui que é além
imaginando o que vem
na esperança de chegar

Vejo um futuro ideal
pós a peste, a bonança
podem correr as crianças
não há doença que reste
foi-se pra lá todo o mal
E o hiato abissal
que no passado cabia
parece que não se via
desavessou-se o umbral

Para cada índio morto
nasceram muitos por vez
e pra cada não-índio torto
sumiram-se suas rês
A fauna reentendida
a natureza louvada
nós, bichos, nos entendemos
a Terra é nossa morada
E essa mãe que nos une
refez nossa caminhada

Aquela febre fornalha
que a gente alimentava
com água e álcool, baixamos
menos gazes para os planos
mais externos da esfera
Aprendemos a espera
nossa agonia acalmou
e aquele aquecimento
parece, solucionou

Sabem os povos quilombolas
remanescentes de lá
ainda estão por cá
não conseguiram tirar
da resistência esse povo
quanto a isso também louvo
pois só o bem vou louvar

E todas as lideranças
que foram assassinadas
contam, na pós-pandemia,
voltaram reencarnadas
e que com meses de vida
já se erguem bem animadas

Os que teceram maldades
melhor não citar nenhum
contam que passou um vento
que tinha odor de pum
de um palhaço gigante
que tinha feito jejum
Levou todos pelos ares
sendo o palhaço gigante
o vento também foi grande
foram parar em Antares

Sabe a soja, evoluiu
dizem ‘destrangenicou’
voltou a ser só semente
nas mãos do agricultor
virou somente "crioula"
viçosa, cheia de amor

O gado ficou selvagem
esse causou muito dano
em manadas se juntou 
não quis mais o trato humano
quis ser livre e viver
sem curral, cabresto, ou dono

Messias não teve mais
no mundo pós-pandemia
nem corona, nem coroa
De falsos Reis ou rainhas
o povo não precisou
mais dessas coisas todinhas

Cada qual na consciência
ligades com o total
sabides, conectades
à um presente real
vivem em tons mais anárquicos
em contexto mais igual

O mundo pós-pandemia
é feito São Saruê
dizem que é muito bonito
gostoso da gente ver
tem artistas e poetas
pelas ruas bicicletas
já reportou a TV

E a TV que é aberta,
pública, democratizada
não publicita igrejas
e nem elege furadas
sem concessões concedidas
por troca indiscriminada

Se é verdadeiro esse mundo
que acabo de escrever
só descrevo o que vi
e aos outros faço saber
que todos possam chegar
e esse presente viver

Nada que disse é mentira
não gosto de fake News
Foi a tal notícia falsa
que desgraçou o Brasil
Quanto a isso tome nota
que cá na pós-pandemia
vem primeiro a saúde
depois a economia
na comunhão das fortunas
vivendo o dia a dia

E para finalizar
agradeço às presidentes
pois cá na pós-pandemia
já tem outrxs diferentes
tá tudo muito mudado
cada Nação forte igual
e a nossa nova bandeira
já é plurinacional
cada povo é respeitado
tendo por lema o cuidado
a comunhão é geral
 
Assim vocês se animem
que o futuro é melhor
vão poder sair das casas
do amargoso jiló
da saudade dolorosa
e dar abraço quisó

E o sentimento enlutado
foi luta desde o passado
desde de que principiou
aqui, agora, presente...
semente que prosperou!

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

a gente segue criando

A gente segue criando duplos
Entre o real e a imagem
contrastes, contornos
Espelhos falseando lagos
Águas beirando margens 
Agostos emergindo nos corpos
cheios de lua líquida
Úteros abarrotados de tordos
serpenteando desencontrados
Um ninho disforme no ãmago
surge revivendo mudas
Sorte acolhendo os claustros
nos seios secos das ancestrais
Todas elas e seus contrários
Muito dentro, no mundo das seivas

terça-feira, 7 de julho de 2020

Nuvem

Nublada
Raios que borbulham
Flexas, setas, direções
Cavalgo o rio insosso
Limpando o insalubre
Lugubre o piso
que o intetelecto tenta encerar.
Ouço os chocalhos vindos do céu
me desaba na idéia
Não soluço soluções
Apegada ao curto jardim que sonho
Amplo sentir destampa a palma
Abri os olhos, e finalmente, a alma goteja
Abençondo as sombras
Nuvem ainda
Paira ainda
Sem mover aparente
Constelação nebulosa

sexta-feira, 5 de junho de 2020

poema pernanbucano

O açúcar desce amargo
Desce indevido o vitamilho
Engasga o café São Braz

Sumo passado no cuador
Moído, o cheiro é de gente
Pobre preta oprimida

O suco amargo
O confeito feio
A cria desencarnada

Não tem verso que comporte 
Nem palavra que conforte
O sentido desse elevador

segunda-feira, 4 de maio de 2020

imagem

Será que você
Já viu um dia a sua imagem
Correndo livre muito longe (repete)

Será que morte ou só passagem
Será que sonho, ou só miragem

Será que você, correndo livre, muito longe
É desvario, alma que foge

Silêncio, rio, horizonte
Calor e frio, ou luz de norte

Será que vou ser
Força de esgarçante de Jaguar
Onça parente secular
Avó serpente estelar

Será que você
Corrente ou rio, trás dos montes
Meditações, fluxos, fontes
Renascimentos retumbantes

Será que voz ser
É Deuses Deusa universal
Estranha soma social
É coma, Roma, vírus, mal
Ou só o Sol seguindo e tal

Será que não ter
Já quer dizer algo melhor
É não ter medo, e não ser ser só
Um arremedo do amor

Será que vou ter
Que aprender a ser mais um
Parte de um todo, de um jejum
Um monge esquivo, um tao, um bum

Um blues, um negro, um buraco
Divina, ou china, um sobressalto
Morcego, rato, um substrato

Cabe num prato
Passe a colher
Limpe com álcool
Seja mulher

Será que você... (refrão)

nave-carroça

Vai o meu carro sem rodas
Um anjo torto, um querubim
Pelo dia amarelo
Na luz suspensa de um jardim
Uma rosa em giro
Um passarinho, um cantador
Sábio violeiro
Tocando as dores do amor

Vai o meu carro de vento
Na amplidão, sem ancorar
Um navio flutuante
Reinventando o alto mar
Sem prumo, sem leme
Roda gigante seu timão
Barco flutuante
O almirante o coração

Vai tapete encantado
Na retidão do horizonte
Flerta mil e uma noites
Mais uma história neste instante
Tem uma cidade
Um reino, um sitio, um castelo
Uma fortaleza,
Uma esperança, um paralelo

Vai carroça dissonante
Cavalo baio, pangaré
Um camelo, um elefante
Um bedoíno, andando à pé
Vai carro volante
Feito as folhas no cordel
Verso inconstante
Poesia solta sem papel

Vai a nave bicicleta
Monta na lua e leva alguem
Vem de longe como seta
Traz boa nova e neném
Grave e redonda
Som de uma outra estação
Pousa, aporta, planta
Um pensamento, um avião

Vai a casa num tornado
Tormento, bardo, um baião
Dança pelo céu nublado
Espera tempo, vôo balão
Sonha colorido
Caminho todo é esse aqui
Vai fica comigo
O que revoa não tem fim

Pelo céu afora vai...