terça-feira, 8 de dezembro de 2009

simone d bom voar


Melhor seria se melhor fosse... Mas como melhor não é, melhor é ser o que se é. Mulher e maravilha!
Emoção ampla com coisa de mulher... Sangue menstrual, mama, leite, ovo... Outras coisas aprendi de o que é ser mulher, (coisas dessas que me instigam o medo e a raiva), vem choro amplo e culpa social do mundo... margaridas elásticas e violetas profundas. Choro o chôro das Marias – é a dimensão da poesia que acontece. E me sinto renovando os tecidos quando lavo os meus panos de sangue.
Não quero olhar o rosto dos meninos e ver o barba azul, (apesar do referencial primeiro ser um papai berbere, que brigava segurando bravo os dois ante bracinhos finos, com olhos de patrão e me sacudindo no ar), quero enxergá-los gente, não capitão, patrão, bom-bom, balão, São João, Frei Damião... – é muito! Tou aprendendo ainda a lidar com o feio e com o belo. Tenho muito medo de ouro que ludibria, de prata Luzia... Meus tios vivem ameaçando de morte as mulheres da família... Mamãe aprendeu cedo a atirar. Pai dela com tanto filho, ela queria o amor. Ela montava cavalo feito índio Norte Americano de filme de faroeste. Cavalo em pêlo – girava pro lado, sumindo dos tiros. Eu, coitadinha, aprendi em casa, tempo de TV, uma sertaneja urbana. Nunca montei cavalo, cedo amei Spike Lee, conflito de cor e dor dentro. Em recife, um tempo desses, dei de ter medo de homem, de carro que passa parando perto, de gente de bicicleta. É muita nóia legítima. Tanta mulher estuprada e morta. Ter medo de gente é muito triste, horrivelmente doloroso, dor e raiva junto... Engasga na goela. Um abismo com o mundo.

Às vezes, numa lindeza, a gente fica seguro feito ar, feito bambuzal, é quando a gente consegue amar o narciso do lago, sendo a gente própria. Quando a gente consegue amar o jacaré de papo e sorriso amarelo.

Um contexto amplo construiu outros sentires sociais em mim, e sendo mulher, sou um pouco essa contradição do que passa a ser subsolo, sinto totalmente essa Proserpina perto.

Sendo mulher/sociedade, o fato é que inda me oprimo muito, sem-querer-querendo, mas tento compreender brincante as condições e os limites existentes assim. E pergunto: Com tantos eus no coração, o que me faz mais forte? So(u)Frida. Compreendo que sofrer pode ser importante, pois pareço crescente sempre mais forte. ,Alimento sentimento tão nuvem, porque só assim se chove, e chover é bom. E, no sol, inda tem arco-íris. É a lida, há de se conhecer o que os contextos causam, para que se possa parábolar com propriedade quando se brinca o tarô com alguém que pede, são os compromissos sociais que a gente vai travando na vida.

Sem perceber essa mulher não ia poder consolá-la, amá-la, tê-la... – raiz, alimento santo, cristal quartzo, cria... – Sábia sabiá.
Se não sofresse mulher, não choraria de graça, ouvindo canções de irmãs...

Dizem que é coisa de geração, que somos na geração, crianças além, criança índigo, tendo o sentimento do mundo, querendo morrer e lunado a morte com amor. Aprendizado lindo. E além, o cinema continua me ensinando. Aprendo a olhar a rua, os olhos e os dedos. Dizem muitas coisas, os dedos dos pés, as orelhas, as olheiras, os enfeites das gentes, amuletos e plásticos, as lidas todas. Tento ouvir... e são tantos os presságios, sempre bom quando abrimos as janelas.

Pois é, não quero nem preciso mais ficar chantageando papai e mamãe, tantos limite já têm – os perdôo e pronto! Posso a psicanálise mais certa, compreensiva ampla. liberdade, bicho! Bicho gente é doideira mesmo. E a palavra pode ser um remédio bonito, canto soante, colo mole... e trazer choro. Aí passo: sou filha minha pequena, me olhando dentro, com a cabra, com a cadela... – São: os bichos em casa, e os alunos de minha mãe – me trouxeram uma generosidade qualquer, que fui reaprendendo com o tempo... Numa usina velha, num passado perto, lembro da menina, e os olhos são os mesmos, cheios de medo, e tão lindos espelhos e amplos. São olhos das palestinazinhas, mesmos, e encontro em tantos, e é o encontro quase sempre uma temperança alando. Não é difícil lembrar que a menina está perto, – apesar dos seios e do bucho, dos pelos e do sexo reentendido, dos longos cabelos – a menina está. Sábia e zéfira. Fica me azucrinando o juízo pra que eu a veja, compre, cuide, acarinhe. – Ai que chantagista de merda acabo sendo às vezes! Quero amor pra menina e esqueço-me de dar. Fico doendo querendo o cuidado dela... E ela é menina, só brinca, não sente dor assim como eu, se sente, sabe chorar, chora e pronto. É fácil, sente dor quando vem – a dor passa – ela briga e esperneia e põe pra fora. Aprendeu com o pai a controlar a cócega logo cedo, respirando fundo e pensando num cavalo correndo de crina no vento. A menina ficou estranha, sem sentir cócegas, era uma criança tranqüila, boa, até a separação dos pais... – danem-se, quero continuar abrindo escalas e pulando elásticos! Livre livre livre! Foi bom morar com a mãe no sertão, ficou criança de rua, a casa era da mãe Joana, sendo proibido proibir. Mais cinema tem nisso. Sem pai patrão.

Ficou guardando um pai de lembrança, que lá longe guardou também. As linhas são meio tortas, mas a escrita é certa, tem sentido, tudo – tem dito a física moderna.

Tá hoje a menina querendo toque, atenção, brincar na rua, gritar com trovão de chuva e andar de cavalo. E eu sempre morgando ela. Chatinha e chatíssima.

Mas é o tempo, e acordam nela, mesmo na apatia, outros lados. E entende: sendo mulher é índia, é preta e planta, proletária, diabo, cobra, criança, escravo, e outro(s). Tudo que essa doidicinha social foi de medo trancando na caixa de Pandora.



A. Galvão.
Pela madrugada de 8 de dezembro de 2009. Várzea.

sábado, 21 de novembro de 2009

Lundu e totó.

tempo ó vovÓ
tempó, vô vÔ
tempóvÓ
temporal

óò

ôvÓvó
ôvOvô

Ôô

viVó de bicó
vivo ave de bico bicó

amuando bezerró
fazendo Lundu e totó

enfezado enfezadó
feito ave, avé
cocando cocó

carococando caca cacá

de duro cocô de cacá.

tempOral.



Anaíra Mahin
Várzea – Recife
Novembro de 2009

a peste


coisa viva.


Ave! O sentimento.


Tu tens tuas razões, eu tenho as minhas
Sei que o sol, nasce sempre, a lua, igual
Cada dia, o sol mesmo, um raio novo
Cada breu, mesma lua, nunca a tal.

Supuseste um modelo perdurante
– Que não migre, não mude, nem sucumba.
Não entendes que a vida é uma sorte,
Que a gente interfere, mas não funda!?!...

Branca hora, e o branco encantamento,
Que cantava em nós dois, se redefine
– Transformou-se, mutante, o sentimento.

No entanto, compreendo, sem tormento.
Se rejeitas, amor, que a dor te ensine!
Cedo encontras na vida um outro invento.


Anaíra Valadares.
Recife, outubro de 2009

terça-feira, 3 de novembro de 2009

TIM MAIA, o filme.

O outro lado na Moeda Filme de curta metragem que retrata a história se "Tim Maia", um barraqueiro que vê grande parte do que construiu na vida se esvair por conta da implementação de uma política pública.O filme se passa no Bairro do Recife Antigo, Recife, PE. Duração: 09:42
disponível no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=ZN0oh5rLupU


Abaixo, trecho de entrevista com "Tim Maia", transcrita por Nilvânia Barros, feita por nós.


"Eu não nasci na cidade, mas no município de Rio Formoso... eu andei muito, num tive escola, só tive dois anos de escola. Ai meu paicolocou a gente pra morar nos matos novamente. Ai quando eu vim sairde dentro dos matos eu já estava com 17 anos, e então eu procurei acidade. Passei a morar na cidade de Ipojuca, morei lá uns tempos, edepois vim pra cidade... Cheguei aqui em setenta e um a setenta edois....e tô por aqui, tô por aqui bolando. Nos anos noventa, vim doCais de Santa Rita do Bairro de São José, ai coloquei esse comércioaqui. Aqui eu trabalhei dezesseis anos, agora que já faz um ano que aprefeitura tirou, eu tô voando, como diz a história. Mas de qualquerjeito eu ainda tô por aqui.
Antes da revitalização eu empregava gente, porque eu tinha barraca,antes eu trabalhava com quatro pessoas, agora três foi pra fora e eutô com apenas um, trabalhando dois dias por semana. É o resultado quedeu essa revitalização. Eles avisam logo: tem tantas horas pra sair,pois senão sair nós vamos levar tudo. Mesmo assim eles fazem. Dáaquele tempo pra os indivíduo sair, senão sair eles chega e leva tudo,prende tudo... é assim mesmo. Ninguém resistiu, a gente tentemosresistir, mais não tem fundamento resistir.
Eu agora tô guardando a carroça e as cadeiras lá, em umestacionamento que o colega me deu uma colher de chá, né... até quandoeles quiserem. Porque depois que eles dizerem não guarde mais, eu nãotenho mais onde guardar. Antigamente eu guardava tudo dentro dabarraca... O único que tá aqui sou eu, porque eu não tenho pra ondeficar. Tentei ir em outro canto, mas não deu. Comprei uma posse lá noCais de Santa Rita, mas ai perdi a posse, perdi meu dinheiro, perdifoi tudo. Tive que ficar aqui mesmo. Disseram pra ir pro Cais de SantaRita... Mas como? Chega lá eu não se tem fundamento. Local tem, masnão se tem fundamento pra se ficar ali. Porque os pontos melhoresestão ocupados, e os pontos lá pra trás vai se vender o quê ali? Alinão adianta, vai pra lá, passa o dia todinho lá pra vender doisrefrigerantes. Como é que vai comer do lucro de dois refrigerantes?
De cultural eu não tô vendo nada, vi somente foi um atraso para obairro e não um movimento cultural. Pode ter um movimento culturalquando chega navio de passageiro aí, tá, aí faz movimento pra taxista,movimento para ônibus turista, mas para o povo do bairro, nenhum."

domingo, 1 de novembro de 2009

Povo amado,
compartilho cá um editorialzim de fim, pra começo de história.
com_um beiju.
Querida Lunduz de outubro,

Estabeleço essa comunicação para que se saiba um pouco a escala tonal que esse mês foi conseguindo, desde as ciganas velhas que apareceram e as velhas ciganas que teimam em se eremitar, às dicas 'acadêmicas' do professor Michelotto, que têm sido de suma importância para que as veias abasteçam as canetas imateriais da prosa poética, (nos 5 minutos de escrita de cada dia, que venho tentando feliz). AgradeCida, ainda, ao contato herança afeto que me permitiu mais proximidade com o entendimento holístico dos almanaques, ampliando minha maneira almanáquica de entender o mundo, e a abertura de me entender mais dentro dele, sendo uma mãe menos carente e mais amorosa, pois que há A poesia em todos os lugares, e toda ela é o espelho sincrônico, (é uma guinéz). Já, quanto aos contornos e às posturas celibáticas, pinto as manhãs celestes no emaranhado do trãnsito e em terras estreladas do Centro-Oeste brasileiro. Por fim.. durmo pensando ainda, que até mesmo quando penso nos jacarés filhos de aves - aqueles que comem as mães na adolescência, os jacaré edipianos, imperfeitos, sorumbáticos - penso em como é sempre bom o encontro, e que nunca é 'des' .
10.10.2009

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

peixa-palmeira

Peixa.
À Camila Santana

...ela é um mar
que na praia vai e vem
que entre os dedos some
que deixa nos dedos o sal.

é uma flor
flor amarelinha
flor mirando o sol
uma camomila.

é uma lua
uma loba nua
lobinha criança
mastigando a pedra

é areia fofa
que a gente deita
e inda dorme um sono
sob o céu da boca.

ela é um "peixão"
como diz o povo.

uma vênusinha
ela é maré.


28 de outubro de 2009
vázea.
anaíra mahin

terça-feira, 27 de outubro de 2009

nota de esclarecimento:

Não acho que a história de Eléctra tenha nada que ver com a história de Édipo... Foi besteira de Jung, e é porque gosto muito dele, quando levanta ao fenomeno da sincronicidade, mas, a estória de Édipo, é muito melhor que a de Eléctra, e isso não é inveja do falo, sr. Freud, é só que não quero ter complexo de Eléctra, quero uma estóriazinha melhor inventada, com cegueiras e etecéteras. Posso até mesclar tudo... mas meu complexo é de Édipo!


Guiné da Selva,
set, 2009.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

trexxo bíblico II

Oásis meu,

Muitos solstícios se passaram. Os guardo, todos.
Há um tempo arenoso, nos encontramos naquela esquina etérea. Expliquei-te do quarto crescente que nos habitava com um gesto longe. Eram naqueles momentos que os joelhos dos camelos podiam encostar a brancura quente e movediça do chão informe. Naquelas suspensões, em que se arriavam os pertences coloridos.

Lembro. Nas soltas tendas, as mulheres cuidavam em colorir os olhos, verdes -amendoados. Os olhos pretos. Eu te ofertei os dois que eu tinha. Comprastes logo. Mirando firme o meu mormaço que recebia a tua paga. Pagou na moeda mesma, e estrelada, doirada, solar. Osíris.
(Pensei... - É impressionante como as crianças não têm chorado por aqui). Um vento soprou o tecido que cobria tua barba...
Percebi as marcas nas tuas maças... Eram as tatuagens de teu povo.


Cap. X
Livro do Exodo...
As cartas e as matemáticas.

sábado, 24 de outubro de 2009

Elogio à Guiné

ELOGIO À GUINÉ.


Óh, vós, Santa-Preta-Estrelada da infinidade cósmica! Já carregastes vossa lua nos pés quando por caridade pedimos uma claridade mórfica que nos permitisse a noite. Bem sabes que nesses tempos, quando muito aberta a iris dessa luz, nós festejamos vossas aberturas e queimamos.

Santa das constelações, sobrevivente dos dilúvios, e das nuvens. Em vossa morada no alto dos imbondeiros, das ramagens pálidas, dos tempos de estiu... vós reclamas de fraquesa, e eis que te digo adorando: Céu dos viventes de todas as terras, por conhecerdes das forças que em contrários dialogam, vós sois uma fortaleza mutável e vaga... Cheia de nada. Uma maré de éter.

Santa dos opostos, dos contrários, dos casamentos álmicos. Deusa virgem do carvão, esse que unido a óleo de bicho serve para anoitecer nosso corpo num dia de brincar sagrado. Mãe das cinzas, mãe das so(m)bras, mãe da morte. Mãe mão leve das sortes. Deusa-filha-negra da madureza e da passagem, do renascimento eterno, que trôpega madrugada traz no bico nossas criançãs coloridas, as gemas, as jóias. Vossas crianças de pedra. Óh mãe! Teus devotos te comemoram, tanto nas horas que apareces cuidando, quanto nas borrascas claras do tempo em conflito.

Pois, quando produzimos os vinhos do milho, bebemos dele em homenagem a vós, e quando chupamos os tamarindos, quando amamos, quando engravidamos – imaginamos a comunhão dos gostos e dos punhados em nossa-vossa língua.

Mãe velha e vasta, dos pigmentos e dos azuis. Barca condensada das carências de terra inteira.



Livro de Ananias -cap V

versiculo XIIV

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

um mar de linguados trêmulos.

(aos 'nazistas' e 'narcisistas').


É comum que nós nos apaixonemos por nossos professores, pois, pelo ofício, já são aqueles que devem nos deixar imaginativos, quando assim o são - de verdade - é comum que nos apaixonemos.

Posso fazer uma retrospectiva e encontrar o começo,
mas Freud já disse:
“OS PAIS”! “O ÉDIPO”!

E Lacan já reexplicou:
“UM MAR”...

É a nossa imersão no mundo oceânico da linguagem.


Ainda, quanto às paixões, é comum nas sociedades um tal de ‘proíbibo-e-tabu’ que em muito conflita os nossos quereres.

Lídia, uma amiga minha, sonhou um dia desses que Freud era o pai dela... e aí ela encontrava ele, e começavam e se comer... as pessoas olhavam reprovando..., no começo ela se incomodava, mais depois ela transcendia... mandava todo mundo se fuder também.

Assim, é comum que vez ou outra, nós nos apaixonemos por pessoas que supostamente se distanciariam do padrão dos disponíveis e ou dos belos.

Portanto, é comum que nos apaixonemos: por pessoas comprometidas, por pessoas com filhos, por estrangeiros, por padres, por passarinhos, por bandidos, por sorrisos diferentes, por bocas sem lábios, por jovens velhotes, por moçoilas velhas, por densos silêncios, por sobrancelas coladas, por grandes narizes, por diadorins. Dependendo, no entanto, da configuração padronizadora da cultura de cada um em questão (é claro). Nesse sentido, faz-se necessário, para uma psicanálise-sócio-individual, que reflitamos a respeito desses possíveis esquemas de invento.

Ex:

O jovem Narciso peca ao entender a impossibilidade de amor entre ele e o jovem do lago - sendo, “o jovem do lago” = sua própria imagem em reflexão.
Nesse tipo de projeção Narciso deprecía sua existência ampla em detrimento de um fetiche extremo. E se entristece no desentendimento da possibilidade de experiênciação desse amor.


Guiné da Selva,
Recife, outubro de 2009.


Pensando que é comum que a gente queira brincar sério comos espelhos acabei de acha isso no dicionário internético (é o título de um livro que eu não li):

Alice no espelho
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Ir para:
navegação, pesquisa
Nota: Se procura o livro de
Lewis Carroll, consulte Through the Looking Glass.
Alice no Espelho é um
livro brasileiro de 2005 escrito por Laura Bergallo.
Foi premiado com o
Prêmio Jabuti de livro juvenil e selecionado para a 44ª Feira do Livro Infanto-Juvenil de Bolonha, na Itália.
[
editar] Resumo
Alice é uma adolescente cujo pai foi embora de casa quando ela ainda era pequena. Boas lembranças ficaram, entretanto. Como a leitura das obras de Lewis Carroll,
Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho, que o pai lia pra ela todas as noites antes de dormir.
Agora, aos 15 anos, sem entender a ausência do pai e obcecada por aparência e magreza, Alice acaba por contrair
anorexia e bulimia, chegando ao ponto de ser internada inconsciente.
Durante seu
coma, ela visita um mundo estranho, onde todas as pessoas são iguais e abrem mão de sua individualidade em nome de uma aparência padronizada, ditada pela sociedade. Aos 16 anos, todos passam pela "transformação", processo médico-cirúrgico supostamente voluntário que os torna cópias dos modelos considerados ideais de beleza.
Mas nesse mundo ela também se torna amiga de Ecila, garota gorda porém com opiniões firmes que, por influência de seu pai considerado louco, recusa se submeter à tão desejada "transformação". Para tentar ajudar a amiga, Alice acaba compreendendo que ela própria precisa procurar ajuda para se curar, embora reconheça que o processo é doloroso e difícil.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

especulando o nome

tenho pesquisado "ALmanaques populares sertanejos"
descobri que são "o juízo do ano".

sei - já faz tempo- que todas as palavras que têm "AL" são árabes...

o estado nordestino de ALagoas é um bom exemplo.

meu nome, minha mãe escolheu no sentido de ser eu uma tupizinha,

e de ananaíra ficou ANAIRA
Fiquei ananariando...

encontrouxe o espelho em ARIANA
- mas não curto purismo ariano...
ARIANO! em suma... Ainda tem esse, armorial, da Paraíba, o Suassuna...

sua suna...

ACABEI DE LER no dicionário da internet que "A palavra árabe Suna significa ‘caminho trilhado’, e logo, suna do profeta significa os caminhos trilhados pelo profeta, ou aquilo que é normalmente conhecido como Tradições do Profeta".

"Os sunitas (سنّة) formam o maior ramo do Islão, ao qual no ano de 2006 pertenciam 84%[1] do total dos muçulmanos. A maioria dos sunitas acredita que o nome deriva da palavra Suna (Sunna), que se refere aos preceitos estabelecidos no século VIII baseados nos ensinamentos de Maomé e dos quatro califas ortodoxos. Alguns afirmam, porém, que o termo deriva de uma palavra que significa "um caminho moderado", referindo-se à ideia de que o sunismo toma uma posição mais neutra do que aquelas que têm sido percebidas como mais extremadas, como é o caso dos xiitas e dos caridjitas".

tanta coisa...



Anaíra Mahin
2009, UFPE, outubro

eD

Ed tem uma rata branca que se chama nêga
ele faz teatro...
é um menino colorido.



guiné da selva
outubro de 2009, UFPE

quando os pinguins viram bodes

os traços transitam
quem pode perceber com olho clínico,
olho de quem desenha
de quem pinta

o espelho é a pele, e os ossos a moldura dura...
o gargarejo: as pernas grossas.

a tatuagem nova é de sangue e interna,

tem a ver com os processos biológicos, hormonais e santos

quando voltei a pensar já era tarde, e o corpo fez por mim o que não tive coragem
ele me disse pra esperar... perguntou se eu sabia esperar - em algum momento perguntou essa besteira, da boca pra dentro
e nunca mais tocou no assunto. ele não teve coragem. disse dane-se em silêncio.



guiné da selva
são paulo, julho de 2009
ossos do ofício

eu queria fazer uma canção
que falasse de minha angústia de não saber tocar violão
mas não consigo
não dá

outro dia escrevi um manifesto
elencando várias coisas que detesto
melhor calar

mas agora na estação
percebi como a moça que sorria era esguia - um mulherão
resolvi fazer uma operação, pra esticar a tíbia e o perônio
quem sabe desse jeito eu arranjo um matrimônio - já estão fazendo isso no Japão,
já tem tecnologia!

nada que eu pensasse evoluia
nada queu fissesse me preenchia

fui ficando triste, ai de mim... era tanta coisa ruim

meu trabalho em que devia ser feliz e lucrar ...
virou uma enxaqueca sem par...
e inda perdi o semestre da faculdade...
pra tudo fui ficando sem vontade...


mas eu queria fazer uma canção...
mas eu queria fazer uma canção...
mas eu queria fazer uma canção...



Guiné da Selva em parceria com Anaíra Mahin
são paulo/sp- julho de 2009

A avó


a avó.

a avó preta guardava numa lata circence seus pequenos prazeres. cigarros linhas tesouras, dinheiros soltos. era o banco do brasil. soltava as notas pretas a neta de afeto que ia feliz na budega de esquina comprar os confeitos e os dindins, os salgadinhos amarelos e as bolachas morenas. escondia os cabelos crespos em lenços azuis cotidianos, frizando os grampos. bilírios bonitos os olhos velhos dela, cegando. tatiava a casa. mas tinha muito orgulho para assumir qualquer cegueira. um dia tropeçou e caiu na rua, rejeitou na hora a ajuda de Maurício, o menino aprendiz que vinha ao lado ouvindo e atento. ela era a forte, a toura. tomava lapadinhas de cachaça ou licor antes do banho, julgando o frio. morreu eu tinha só 4 anos, só pode ter ficado grande na minha cabeça, é a lembrança que existe assim, uma mulher grande, uma avó de seios quentes de cozinhar, de ferver canjica, fria de mexer em água, em bacia, de lavar as caçarolas. lembro das unhas escuras limpas longas, de mulher vaidosa, compridas, largas. Carvão alfazema, um coentro aberto. o cheiro-verde, fumando. o travesseiro do braço dela, ela contava baixinho A festa no céu... apresentava aos meus sonhos o touro azul...

várzea, outubro de 2009.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

as guinés

Guinés são aquelas que se enamoram de Pingüins mudos. Absurdos esquemas de invento.

São aquelas
que constroem da teia das aranhas viúvas
grinaldas perecíveis,
para em noites de lua que mïngua
casar com o próprio sangue menstrual,
vermelho espelho e vivo,

no reluzente da bacia alumínio .

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

poema antigo.

O outro.

Quero dizer mais puro
A minha viva verdade
Que submersa em saudade
Vem sufocada na dor

Talvez se eu soubesse a cor
Dessa dor que gosto dela
Trabalhasse com aquarela
Sem querer ser escritor

Mas como não sei ao certo
Se vens fechado ou aberto
Eu guardo dentro de mim
Um sentimento incolor

E crente que seja amor
Escrevo versos assim.

(São José do Egito, 2005).

Entrevista de mim à mim mesma:

Meus dados.

O que eu gosto:
Chorar, llorar, cry...
O que não gosto:
Engolir choro, um...
E um desejo:
Aprender musica
Pra relaxar:
Nadar de costas em meio sol
Um livro bom:
O profeta de kalil Gibram
Um filme bom:
Sonhos de Akira Kurosawa
Um lugar bom:
Na memória o lugar que cresci
O que eu sou:
Aquele a quem Teresa deu a mão.

(Recife, 2008)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Mário Lunduz

Lundu do Escritor Difícil
......................Mário de Andrade

Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escurez.


Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.


Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!


Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!...
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh "xavié"
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!


Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês "singe"
Mas não sabe o que é guariba?
— Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

guiné meditando

enfeitada por caracóis.



Era um Lugar vermelho
e um canto calado
Uma ave infinita
uma janela tambem...
Uma porta, uma horta
Uma passagem
Além
do mais
já passou muito nenem
A história fetichizzou esse lugar bonito que mira a terra
constrito, quis manter de mentira

e tudo desse universo virou subsolo

Mas, apesar de toda cela
há em toda gente
uma jovem Alice,
que dorme e sonha
densa

'medonha'!
uma criança que tem um gato...
gato que tem no olho a síntese da lua.

e nenhuma
quando a biologia vem em abrupto
sábia de si
ensinando a ser

foge da semente...
maçã, serpente... De todo o conteúdo.

e de escudo, ela é que vem a cavalo
Sem precisar de príncipe encantado,
cantando galo
e fastando os espinhos.



(Recife, set, 2009- A. Mahin)

Minha querida Jocasta.




O complexo das Guinés da História.


Estava cega e perdida depois da terrível paixão incestuosa que afetara em definitivo sua eterna existência.

A questão era uma só: como superaria o Édipo inevitável em seu triste fado dual?!

Ela, que em descuido, chegou apenas com uma das sandálias no calçar, não podia fugir dos olhares repulsivos da população.

A profecia era aquela e fim, Freud disse tudo...
Estava lá... Desde o saco, desde o gozo, desde a concepção.

O medo so adiou o reencontro.
O crime varou o tempo, cheio de castigo...

E, o que podia muito bem ser amor pleno, veio em desejo e culpa.


(...)


(Aszim...*8 Revista Lunduz- Setembro de 2oo9)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

ELA MOVE




Informo,com gosto em informar,que nossa querida guinezinha tem cambiado estrelas por outras bandas...

http://nepaa.blogspot.com/

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

pomar

Recebe essa fruta como um útero de aconchego, o bago da laranja, o limão inteiro, a manga... Se tu entendes o presente, entenderás o sentido, - a maça é a metáfora do que dentro aflora, do que tenho lido.

A romã, e a amora.

Tens agora a permissão para qualquer fruto do meu pomar colher, a tâmara, o damasco, qualquer! Inclusive as folhas secas para chá. Fique a vontade em desfolhar, as canelas, as laranjeiras-cravo, e cravar com adagas corações nos troncos.

O pomar está aberto para que cante em flor cantigas persas com as aves santas que simpatizam com o amarelar das frutas, e que levam para outros campos as sementes de aqui.

No entanto, quando o sol posto, quando os insetos procuram o calor das luzes, pode vir descansar as sobrancelhas no meu colo, que te conto histórias velhas de sono.




A. Mahin.

Irã, 09 de setembro de 2009.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Argumento:

Era uma vez, depois de todo um processo de fragmentação e encontro num planeta inventado terra, no meio de um cosmo imenso, uma revista lundu. Essa revista, a necessidade lacânica do encontro amplo. Tudo começou com mar e raios, e assim, nos choros e impulsos elétricos, esse fragmento de mundo, chamado ser humado, nada e caminha os mundos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

*8


A NOITE E O CAMINHO:

A POÉTICA DE AGOSTINHO NETO

..........................................................................por Anaíra Mahin e Camila Santana.


“Seguindo
o caminho das estrelas
pela curva ágil do pescoço da gazela
sobre a onda sobre a nuvem
com as asas primaveris da amizade

Simples nota musical
indispensável átomo da harmonia
partícula
germe
cor
na combinação múltipla do humano (...)”

(Agostinho Neto, no poema “Confiança”, 1976)

“Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
(...)
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser”.
(...)
Também a noite é escura.


(Agostinho Neto, no poema “Noite”, 1976)


Antônio Agostinho Neto, nascido a 17 de setembro de 1922, em Kaxicane, a uns 60 km de Luanda, foi personalidade fundamental para a luta da independência de Angola e o primeiro presidente de seu país após a conquista da soberania nacional. Médico e poeta, foi também presidente do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) e fundador do Movimento Anticolonial. A poética de Agostinho reflete a riqueza de sua busca, o caráter artístico de sua trajetória política, seus questionamentos e respostas, assim como salienta Jorge Amado, no prefácio de Poemas de Angola (1976): “Na luta pela independência de Angola, a poesia foi arma poderosa manejada por Agostinho Neto. Na selva, tanto quanto a metralhadora, o fuzil e o facão, a poesia sustentou o ânimo e alimentou a esperança dos guerrilheiros” (NETO, 1976, p.7). Deste modo, a arma da poesia revela-se uma forma eficaz de resistência, como a Guerrilha do Araguaia, por exemplo, que produziu uma poética de autoria coletiva, publicada pela primeira vez em 1979, no jornal “Resistência”, do Pará. Vejamos um destes poemas, que segue:

CANTO DE AMOR AOS GUERRILHEIROS DO ARAGUAIA 1. não nas vossas mãos não tendes fuzis tendes clarões estrelas pedaços de manhã as vossas armas são como archotes combatendo a noite e porque acendeis o dia nós vos amamos 2. nós vos amamos - que é preciso o mais cedo madrugar
mas rompa-se à distância este nós-e-vós que nos parte em dois; não há distância quando a noite é uma quando sobre todos pesa a mesma bruma quando sobretudo a ordem é lutar

Pretendemos cá, realizar uma análise sociológica mais amorosa da poesia de Agostinho Neto, diferente das análises que minimizam sua poesia a uma poesia panfletária e datada. Este estudo se dará a partir das teorizações de Roger Bastide acerca da poesia como método sociológico e da experiência de Paulo Freire em relação à autonomia, uma vez que partimos do pressuposto da poesia (ou arte em geral) como possibilidade de uma pedagogia do oprimido. Em relação à afirmação crítica de que seria a poesia um método pedagógico, Bastide explica que “mais do que isso. A expressão poética não seria pedagógica se a sociedade nada tivesse de poética. Há, porém, na sociedade o elemento de poesia sendo a expressão poética um esforço de fidelidade em relação à própria verdade das coisas” (BASTIDE, 1983). No prefácio do mesmo livro Florestan Fernandes afirma que Bastide foge à regra das Ciências Sociais tradicionais, que condenam o subjetivismo como fonte de erro e a afetividade, levando a desvios de compreensão. Comungamos com Bastide em defender esse contrário: para nós, assim como para Bastide, o subjetivismo aparece como verdadeiro manancial de conhecimentos, que permite penetrar mais a fundo na realidade pelos caminhos da sensibilidade e da intuição.
A expressão poética das preocupações de Agostinho Neto evoca a verdade experiencial de sua luta, os porquês construídos em sua experiência social ampla. Compreende-se aqui o versar tenso dessas contradições psicossociais - quando escrita, a poesia (enquanto poema) é um recorte prismal dessas contradições, que podem ser experienciadas por nós.
Assim, a arte poética, ou a arte em geral, pode ser entendida também como método psicanalítico: pois ajuda o poeta a trabalhar seus conflitos internos, e quando é externalizada, tornando-se código, passa a poder ser experienciada por outros através de sua dimensão arquetípica. Constitui, assim, uma ferramenta de autoconhecimento, individual e social. Faz-se técnica de cura, dentro de um quadro de luta psíquica. Faz-se parceira no método sociológico: na compreensão das contradições sociais. É essa poesia uma síntese do processo cognitivo, um encontro entre o pensamento intuitivo e o domesticado de que nos fala Strauss em “O Pensamento Selvagem”. É através do que há de elementar, de universal, que a poesia pode funcionar como um método terapêutico genérico, catártico, tanto para quem expressa quanto para quem lê.
Portanto, os poemas de Neto nos trazem, como nuvens densas, uma síntese do contexto social vivido, de sua posição, de suas preocupações. A liberdade, a identidade, a esperança... Parafraseando Marcel Mauss, poderíamos aqui entender a poesia em questão como uma espécie de “fato social total”, tendo em vista a totalidade contextual sintetizada e nebulosa como consequência de algo que a envolve. Como podemos encontrar nesta poesia sua leitura de mundo, sua filosofia, sua alma afetada?... Acredito que apenas estando abertos para este experienciar.
Quando paramos para entender o contexto do mundo em questão, quais os sentimentos relativos as propostas praticas de mundo que foram se tornando hegemônicas, podemos entender como essas propostas impostas foram matando outras, e como essas mortes foram se configurando no peito das pessoas, em nosso próprio peito. Entender como essa morte existe em cada um de nós: enquanto busca, ou como negação – entender como ela nos habita.
Agostinho Neto comunga em sua poesia com aspectos centrais do tipo de Pedagogia pensado pelo o professor Paulo Freire: compartilham de pressupostos éticos que devem guiar a ação - uma ética do coração - não pressupostos moralizantes e autoritários, mas idéias que nos levam a reflexão de nossas ações tão movidas por condicionamentos que naturalizamos sem pensar. Trazem a reflexão da necessidade de que se entenda que a luta precisa ser percebida internamente - os condicionamentos, as limitações – para que possa então ser externalizada no âmbito da realização social. Ou seja, há de se tomar consciência dos processos condicionantes, do processo de socialização ao qual fomos submetidos, e isso deve servir para que possamos intervir nas estruturas compreendendo-as. Freire nos fala da importância da “legítima raiva” para a ação não resignada que promove a mudança. Alerta, no entanto, para o perigo de que essa raiva venha a tornar-se odiosidade. No poema “do povo buscamos a força” Agostinho Neto expressa essa mesma preocupação:

Não basta que seja pura e justa
a nossa causa.
É necessário que a pureza e a justiça
existam dentro de nós.
Dos que vieram e conosco se aliaram
muitos traziam sombras no olhar
intenções estranhas.

Para alguns deles a razão da luta
era o ódio: um ódio antigo
centrado e surdo como uma lança.
(...)
Outros viemos.
Lutar para nós e ver aquilo que o povo quer realizado.
É ter a terra onde nascemos.
É sermos livres pra trabalhar.
É ter pra nós o que criamos
Lutar pra nós é um destino –é uma ponte entre a descrença
e a certeza do mundo novo.
(...)
Lutar pra quê?
Pra dar vazão ao ódio antigo?
ou para ganharmos a liberdade
e ter pra nós o que criamos?
(...)

(NETO, 1976, p.49-50)

No mesmo poema Neto trava um diálogo com outros grupos que também engrenavam a “luta de libertação de Angola”: a UNITAS, de Savimbi, e a FNLA, de Holden Roberto. Neto coloca em pauta as contradições que traziam esses dois movimentos, que lutavam pela liberdade nacional, mas que estavam ligados a modelos extremamente opressores. A liberdade que neto fala é a de criar, de ser, da diferença, no entanto, não enxerga dentro dessas propostas de mundo, as quais se aliam seus compatriotas, uma clareza ética.
Quanto a este aspecto, destacamos um trecho do poema “Criar”:

Criar criar
estrelas sobre o camartelo guerreiro
paz sobre o choro das crianças
paz sobre o suor sobre a lágrima do contrato
paz sobre o ódio
criar
criar paz com os olhos secos
(...)

Criar criar
criar amor com os olhos secos.

(NETO, 1976, p. 30-31)

É triste que dentre todas as bibliotecas da Universidade Federal de Pernambuco só tenhamos encontrado dois artigos pequenos sobre Agostinho Neto, os dois na biblioteca do Centro de Artes e Comunicação, é triste que nossa biblioteca de Filosofia e Ciências Humanas nada tenha sobre a tão sensível ‘ciência humana filosófica’ de Antônio Agostinho Neto. José Luis Pires Laranjeira foi um dos autores que encontramos em pesquisa no Google acadêmico, com bem uns 30 anos de dedicação ao estudo e interpretação de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, escreveu muita coisa sobre Neto, tendo ajudado muito em nossa reflexão analítica da poética de Agostinho. Laranjeira acorda a importância dessa literatura como documento histórico em sua totalidade e lindeza. Em um de seus recortes, expõe esse “Agostinho Neto, poeta : comprometido com o africano, com o negro de todo o mundo, com a luta de libertação nacional e com a mulher”, fala de "um negro que falava, sobretudo para os outros negros, contra o fascismo e o colonialismo".
Quando começamos a refletir como Neto enxerga esse nacional, passamos a enxergar que dentro de sua poesia esse nacionalismo não existe nos moldes tradicionais. Percebemos, tentando entender a essência de sua poesia, que dentro desse contexto experiencial, a nação confunde-se com a não existência dela, ou, em outras palavras, o sentimento de desterro. A nação é, portanto, a própria necessidade de ser, de expor essa diferença, de poder ser no sentido amplo da palavra, material e imaterialmente, poder expressar sua forma de fazer, sua lida, sua maneira. Trazendo no mesmo bojo todas as lacunas, todo o esborrotar de águas salgadas e turvas em todo um subjugar e submeter inscrito na história. Antônio Agostinho Neto carrega o sentimento do mundo, no entanto, tinha apenas duas mãos, enfim, era um ser humano, no sentido mais belo que pode ter a palavra. Compreendendo as contradições sociais que viveu, podemos compreender um pouco mais o sentido de suas conjecturas, a finalidade delas.
Em análise do caráter nacional na poesia de Neto, vem o poema “Confiança”, onde enxergamos essa idéia de uma nação ampla, ligada pelas raízes e pela perda, em busca e diáspora oceânica:

O oceano separou-se de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.

Na minha história
existe o paradoxo do homem disperso
(...)

(NETO, 1976, p.25)

Entendemos que em Neto a nação é um sentimento, a luta pela libertação da nação não é mais que a libertação das pessoas, libertação essa que independe de um estado estrutural externo. A nação está ligada a uma experienciação comum, por isso também ligada à negritude:uma palavra que tenta chegar a esse negro disperso no mundo.
Podemos, assim, pensar em uma “africanização de Marx”, pondo em pauta as leituras que Agostinho fez e de como, nesse sentido, a ligação que trava com um modelo de nação, por exemplo “o socialismo”, vem a ser mais uma estratégia política do que propriamente uma identificação total. No entanto, pensando o modelo Soviético, ou o de Cuba, dentro do quadro da geopolítica da época, é fácil entender a aproximação do MPLA, pois era importante para o movimento ter um apoio internacional, podemos pensar que era uma instrumentalização mútua, que tanto o MPLA precisava desse apoio, quanto essas potências precisavam criar novos exemplos. Em essência, a poesia militante de Neto (e não panfletária) é reflexiva, e pensa estratégias de libertação. De uma libertação ampla, dentro de um processo reflexivo que dialoga com os condicionamentos dentro das tensas histórias, dos tensos processos de opressão sofridos.
Dentro dessa idéia de uma nação desterrada e interna, difícil de ser enxergada por não se dispor na verticalização esperada pelo olho mal acostumado, eurocêntrico, Pierre Clastres, em sua Arqueologia da Violência e em A Sociedade contra o Estado, fala das nações que fugiam desses modelos opressores, que desceram às Américas livrando-se dos impérios. Creio que, da mesma forma, em essência, é esta a idéia de nação que Agostinho Neto quer-bem, essa de uma liberdade em ser, liberdade identitária das quais foram privadas esses nações que sofreram a colonização.
Ao trazer este ser e esta maneira, Neto dialoga com outros grupos que também lutavam pela libertação de Angola. Agostinho pensa sobre esse governo, mas que tipo de governo? Ainda no trecho do poema “Do povo buscamos a força”, ele questiona:

Lutar pra que?
Para dar vazão ao ódio antigo?
Ou para ganharmos a liberdade
e ter pra nós o que criamos?
Na mesma barca nos encontramos.
Quem há de ser o timoneiro?
(...)
(NETO, 1976, p.49-50)

Quem será o timoneiro?... Essa também era uma preocupação de Neto, observe-se que sua poesia fala de ética e não de moralidade, como nos fala Lao Tze em seu Tao Te Ching. Enquanto disputavam o poder em Angola, o MPLA, de Neto, a UNITAS de Savimbi, e o FNLA de Holdem Roberto, estavam todos no mesmo barco, o da libertação de Angola, mas de que maneira buscavam essa liberdade, com quais ferramentas? As criticas feitas na poesia de Neto a esses movimentos são criticas construtivas, anticapitalistas e pacifistas. Pensamos que além da mensagem ao interlocutor da época – esses homens negros que estavam no mesmo barco - O pensamento de Neto, condensado em poema, navega e nos fala agora, quando no “choro de africa” encontramos esse negro morto que nos habita, esse sentimento de perda que nos instiga a busca. -"O oceano separou-me de mim" ele diz em sua "Saudação", e conta de toda uma diáspora. E desse 'movimento' entre mares. Muito suor cor púrpura acordando em outras geografias. E, é nesse sentido de uma unidade nacional panafricanista, que essa poética comum acorda transfigurada, e o sentimento é o semelhante, busca o semelhante. Busca a arte, a arte sacra... De novos velhos cânticos, em outras línguas, na mesma - aquela do desatar interno- e o sentimento é o mesmo do outro lado do azul oceânico, e o semelhante se reprocura em outras cores e formas, entre outras formações vegetais. arqueologias de sementes. Os imbondeiros, os baobás... Os homens e mulheres que vez ou outra inda aparecem de "braços erguidos". Dentro de uma "poesia africana" espalhada e de pés descalços, de pés descalços e de pés calçados de uma espécie de saudade que movimenta. de uma esperança ativa. Nossos quilombos, nossos índios misturados, e os brancos afetados. Uma verdade está aí, a de que “todo contato afeta”, nada mais tem jeito, nada mais é igual o que era antes, e ainda o antes está em nós, e como a gente o reenxerga, o ressignifica? Tudo aconteceu e acontece. Tecemos já aqui outros textos para transformar em amor transposto, o rosto, e enxerga-lo 'numa boa', sem dor.
Portanto, a poesia que Neto nos deixou, tem a ver com esse panafricanismo, e ou, o quilombismo que nos traz o 'paulista de França' Abdias do Nascimento, falando de um o Poder Negro, de uma auto estima, de um autoconhecimento necessário para a superação. Coisa que nos leva ainda a pensar o negro interno de cada um - como a gente traz esse negro, como a gente o sente, o que ele representa.
Lendo o capitulo 4 , Sobre a Cultura Nacional de Os Condenados da Terra (1968), de Frantz Fanon, encontrei uma fala de Ahmed Sékou Touré (líder político africano e presidente da República de Guiné de 1958 até sua morte em 1984. Touré foi um dos primeiros nacionalistas guineanos envolvido na libertação do país da França) e fui pesquisar um pouco sobre ele tendo achado essa outra frase: "preferimos a pobreza em liberdade à riqueza em escravidão".
A frase me lembrou o livro do beninense Albert Tévoédjrè, Pobreza a Riqueza dos Povos - a transformação pela solidariedade (1982), nele Tévoédjrè trabalha os significados dessa Riqueza, as variáveis que a moldam, as intensões que a guiam. nesse sentido, a 'Riqueza dos Povos' é a 'pobreza' dita, não a miséria, mas a dádiva afetiva da compreensão da troca como algo imprescindível para a coexistência real no mundo.
A existência do outro além de material e externa, é interna, e dependente. Se a intenção é de comunhão, não devemos pois por a frente os aspectos que repudiamos no outro, pois sofreremos, no entanto quando elegemos a 'conversa' como proposta ética, mesmo com dificuldades de condição, nossos olhos vão buscar o uno - uno que nada tem a ver com ser igual no sentido restrito, sim com a compreensão dos porquês e respostas alheias.
Pensando a dialogia do título do livro de Frantz Fanon “Os Condenados da Terra” com o do poema “As terras sentidas” de Agostinho Neto, pensamos essa relação do homem com o seu “laboratório natural”, e o Sentimento de desterro diante desse afastamento, desse 'apartamento':

As terras sentidas de África
nos ais chorosos do antigo e do novo escravo
no suor aviltante do batuque impuro
de outros mares
sentidas
(...)
Vivas
em si conosco vivas
Elas fervilham-nos em sonhos
ornados de danças de imbondeiros sobre equilíbrios
de antílope
na aliança de tudo que vive
(...)
na razão pura e simples da existência das estrelas
Elas vivem
as terras sentidas de África
porque nós vivemos
e somos as partículas imperecíveis
e inatacáveis
das terras sentidas de África

(NETO, 1976, p. 26-27)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, Libério de. Poesias da Guerrilha do Araguaia. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2004/09/291383.shtml>. Acesso em: 10 de junho de 2009.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Basiliense, 1968.
NASCIMENTO, Abdias do. O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. Petrópolis: Vozes, 1980.
NETO, Agostinho. Poemas de Angola. Rio de Janeiro: Codecri, 1976.
TÉVOÉDJRÈ, Albert. A Pobreza, Riqueza dos Povos: A transformação pela solidariedade. Petrópolis: Vozes, 1982.
STRAUSS, Leví. O Pensamento Selvagem.
MAUSS, Marcel. Ensaio Sobre a Dádiva.
CLASTRES, Pierre. Arqueologia da Violência.
CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado.
TSÉ, Lao-. Tao Te Ching. São Paulo: Martin Claret, 2006.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O melhor amor.

O melhor amor é o próprio
Ópio de mim
Inspiro-me ar
Ardo eu assopro.

(Recife, janeiro de 2009).

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

o que os velhos contam de mim

Autor: Tata riá Nkissi Nkassuté

Numa certa manhã, vinha de cabeça baixa e muito triste uma Kerere, lamentando-se «estou fraca, estou fraca, estou fraca!».

Resolveu saciar a sede num riacho. Lá deparou-se com uma linda mulher que se banhava e coquete como só ela sabia começou a pintar-se.

Kerere quando viu aquilo admirou-se: era Dandalunda, aquela que dá brilho às jóias e se banha e pinta antes mesmo de cuidar dos filhos...

Dandalunda quando percebeu a tristeza daquela ave perguntou-lhe:- Porque é essa tristeza Kerere?

Kerere respondeu-lhe:- Entre os meus pares eu sou a mais feia!

Naquela época Kerere era toda preta...

Dandalunda então pediu para Kerer se aproximar. Ela pegou em osum e pintou o seu bico; depois com osum vermelho os brincos. Depois com waji tornou as penas azul escuro e com efum fez as pinturas brancas. E continuou a pintar Kerere. Esta ao ver a sua imagem no abebé de Dandalunda saiu correndo de tanta felicidade cantando "Kuéim, kuéim, kuéim".

Dandalunda que ainda não tinha terminado de pintar Kerere pediu a Kakulu, divindade dos gémeos para que corresse a trás de Kerere e a trouxesse de volta pois não tinha pintado o seu peito.

Kerere lá voltou e pediu para que Dandalunda ao invés de pintar o peito lhe desse um colar.

Dandalunda fez-lhe a vontade e ofereceu-lhe um colar em forma de coroa que Kerere carrega até hoje... e entre os seus pares é a mais linda de todas...

Tempos depois Kerere voltou e tornou-se o primeiro ser que "tomou" obrigações por aquela que é capaz de modificar todos com a sua doce magia encantada.

Kerere, o primeiro ser raspado, adornado e pintado por Dandalunda... e é por este motivo que quando um Kerer é sacrificado temos que tirar este colar em forma de coroa e coloca-lo em evidência!

.... Kerere é também conhecida por Konquem, "Tô" fraco, E tu ou Galinha de Angola

Retirado de: http://www.SanzalAngola.com/