quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Carta ao Lobo Mal

Sr. Lobo Mau,
Em estado de maldade te encontras, mas não és isso. Se dentro das vozes e imagens que te perseguem conseguistes encontrar o silêncio... Consigo ver uma massa condensada de ausência. Que na tua história te foi negado? A ti, a teu antepassado? Que maldição te recai e vestes? Precisas chamar atenção, mas te escondes. Teu mal te remonta a milhares. Que engano esse teu. Limbo. Pedes a morte, o estupro, a moça, a velha, os porcos brancos... Busca agonísticamente o feminino que a sociedade te negou? E desejas sem limite tudo que te falta, e feito bicho raivoso vais devorando o que não compreendes. Devora, esquarteja, atropela, cospe, esfacela, degola, engole, devora. As moças, a velhas. As pretas, branquejas. As travas, sapatas, as bibas, as bambis, Aquelas. Todas. E a teu segredo o que agrega? Num segundo, nem sabes; lambes o ouro, o carro, o louro. A inveja intensa de cada porco branco que se esconde em sua morada segura. Com cerca elétrica, arame, alarme. Em "suas terras", patrulhada de cães... Ou és aquele lobo branco armado, perdido nos ódios do tempo, mostrando a carta que paira nas bocas dos velhos vencidos, herdeiros do orgulho branco escravocrata que reluta se envergonhar do feitos. Ou o torturador, devorador de si e do outro, se abrindo nos arquivos. Que tipo de lobo és? Que de tão mau se encerra? Aquele que erra? Aquele que era? Vejo tuas mãos finas e transparentes entregando crianças negras a teus parentes pra caçar crocodilos... Esse engasgo, esse engodo. No lodo das raízes que saltam, nas chapeuzinhos que saltam, nos porcos, nas ovelhas, nas velhas xamãs... Cada índio, negro, lobo, selva, terra... Cada mulher, negra, branca, indígena, cugana, cada mãe, cada bruxa... Que tua espada, arma, fogueira, bomba... Comeu.

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